“Todos, só porque falam, creem poder falar da língua também”

– Goethe (1749-1832), escritor alemão.

São realmente misteriosos os caminhos que determinada palavra ou expressão tomam ao longo do tempo. Qual a origem deste provérbio? Como surgiu este neologismo? Quem foi o primeiro falante que pronunciou determinada palavra de uma forma diferente e que acabou sendo adotada por milhões de outros até hoje?

Pesquisas há, claro, e os especialistas vão a fundo para descobrirem a origem deste ou daquele termo, bem como o nascimento de determinada expressão ou provérbio etc.

Nesta semana, por mera coincidência, recebi, de três(!) amigos, três explicações diferentes para a origem da expressão “Amanhã é dia de branco”. Avisado que estou do possível caráter racista que a expressão poderia demonstrar, faz muito tempo que eu a eliminei do meu dia a dia. O seguro, como dizem, morreu de velho.

Os de mais idade estão bem acostumados com tal expressão, que era repetida com frequência, principalmente nas noites de domingo. “Vou me deitar porque amanhã é dia de branco”, “Estou cansado e amanhã é dia de branco”, “O papo está bom, mas vou pra casa porque amanhã é dia de branco”. E por aí afora.

Com o chamado “politicamente correto”, as pessoas começaram a questionar essa e outras expressões de nossa língua, e, no meio do fogo cruzado, ficamos muitas vezes sem saber o que fazer. Coisas como “criado mudo”, “a dar com pau”, “da cor do pecado” e “meia tigela”, agora, são condenáveis e, dizem os meios de comunicação, devem ser evitadas.

Bem, eu falava das três mensagens que recebi dos três amigos. Eram mensagens como as que recebemos a todo momento via Whatsapp, e o que me intrigou foi que cada uma delas trazia uma explicação diferente para a origem de “Amanhã é dia de branco”. Vamos a elas!

Na primeira, via-se uma foto de várias pessoas, em 1941. Na legenda, lia-se: “Observem a quantidade de pessoas vestidas de branco. Naquela época, o terno de linho branco era praticamente mandatório nas empresas e repartições, portanto o termo ‘Amanhã é dia de branco’ quer dizer que ‘amanhã é dia de trabalho’, ou seja, é engano achar que é uma citação preconceituosa e racista”. De fato, a foto é convincente, e eu achei muito interessante a explicação. Tudo teria ficado por aí, não fosse a mensagem que recebi mais tarde.

Um outro amigo dividiu comigo: “A expressão ‘Amanhã é dia de branco’ não tem o cunho racista que alguns pretendem lhe conferir. A origem é doméstica, referindo-se ao dia de lavagem das roupas de cama, antes todas brancas, que ornavam os varais, sendo motivo para o descanso mais cedo na véspera, pois a lavagem era feita nos tanques e no muque”. (A diferença de uma explicação para a outra é espantosa! E a gente fica sem saber em qual acreditar…)

A terceira mensagem que recebi, dois dias depois, de um terceiro amigo, ia mais longe e dava uma outra explicação, distante das duas anteriores. Dizia assim: “A expressão significa que é dia de trabalhar e, diferentemente do que muitos pensam, não tem origem racista. O primeiro pensamento de quem ouve, porém, é de que ela surgiu por causa do preconceito de brancos contra negros. Dizem que a expressão surgiu na Marinha, por causa dos uniformes brancos que eles tinham que usar para trabalhar”. (Mas essa mensagem adotava o tom de patrulhamento muito comum nos nossos dias. No fim, havia o alerta: “Hoje, quando é usada, geralmente vem acompanhada de alguma piada ou algum trocadilho racista. Ela tem um peso muito grande e pode, sim, ter uma interpretação racista. Então, fique atento”.)

Como se vê, as explicações divergem e muito! Em qual acreditar? Procurei em livros e nada encontrei. Na internet, dei de cara com as mesmas explanações e com mais duas: “A expressão ‘Amanhã é dia de branco’ significa que ‘é dia de ganhar dinheiro’, pois, antigamente, havia na nota de mil cruzeiros a estampa do Barão do Rio Branco”.

Confuso, leitor? E o que dizer desta outra? “O dito popular ‘Amanhã é dia de branco’ tem a ver com o fato de que, em dias de trabalho, todos os profissionais da área da saúde se vestem de branco. Tem a ver com dia de trabalhar: ou nos dias úteis ou nos feriados e fins de semana quando médicos e enfermeiras(os) estão de plantão”.

Pode ser que o leitor tenha ouvido ou lido uma explicação ainda diferente das citadas acima. Isso não me surpreenderia.

Por essas e por outras, acho complicado esse negócio do tal politicamente correto e do patrulhamento que hoje se faz na comunicação do dia a dia. Sem dúvida que devemos combater toda forma de preconceito, mas isso deve ser feito com cuidado e cautela.

Os que pregam a “liberdade de expressão” são os mesmos que vigiam nossas palavras dia e noite.

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