São tantas as diferenças, que nem sei bem por qual começar!
Quando eu era garoto, a gente respeitava os mais velhos. Ouvíamos e obedecíamos aos pais – e fazíamos o mesmo na escola. Nossos professores eram a “extensão” da autoridade que os mais velhos tinham em nossas famílias, em nossa casa. Nem passava por nossas cabeças querer enfrentá-los ou questioná-los. A palavra deles todos era lei.
Quando eu era guri (como dizem os gaúchos!), nossos amigos iam nos chamar no portão, já com a bola debaixo do braço, para irmos até o “campinho” e tirar o “par ou ímpar” para escolhermos os times. Havia sempre aquele amigo que a gente não queria que caísse no time adversário, pois jogar contra ele não tinha graça. E quem fizesse 12 gols primeiro ganhava – geralmente, a partida chegava no 11 a 11 e, aí, a molecada dava a alma para vencer.
Quando eu era menino, as mães conversavam nos portões, sempre de olho nos filhotes. Meninos e meninas brincando, cada um com sua turminha. Hora de ir pra escola era hora de ir pra escola! Hora de fazer lição de casa era hora de pegar o caderno e resolver as questões de matemática, português, história etc. No fim do mês, mostrar o boletim com as notas de cada matéria. Notas vermelhas resultavam em punições – como não sair pra rua ou não ver TV; notas azuis eram vistas como “não fez mais que sua obrigação!”.
Quando eu era criança, já não existiam mais os bondes, e a gente entrava pela porta de trás do ônibus e descia pela porta da frente. Havia duas opções de pagamento: ou em dinheiro ou com o passe, que a gente comprava pro mês inteiro. Na escola, quem quisesse e precisasse podia tirar uma carteirinha e comprar o “passe escolar” pela metade do preço, desde que comprovasse que tinha de pegar ônibus.
Na minha infância, poucas famílias tinham telefone: a gente usava o telefone do bar ou da padaria para receber recados, sem falar nos orelhões vermelhos que eram abastecidos por fichas – acho que cada uma dava direito a três minutos de conversa. O duro era enfrentar as filas!
O país vivia sob uma rigorosa ditadura militar e as carteiras profissionais – para os adultos – eram mais importantes do que a carteira de identidade: “RG, qualquer um pode ter; ser trabalhador, ter registro em carteira, provar que não é vagabundo são coisas mais importantes”, dizia-se à época. Para os estudantes, o documento era a carteirinha do colégio com notas e carimbos de presença.
A gente usava uniforme nas escolas públicas. Camisa branca e calça/saia cinza, nas escolas estaduais; camisa branca e calça/saia azul-marinho nas escolas municipais. A mãe da gente passava o uniforme com carinho e esse uniforme, quando crescíamos, servia para o irmão mais novo que ia entrar na escola depois.
Nossa grande fonte de informação e diversão era a TV (em preto e branco!) – desenhos, seriados americanos, filmes, novelas, telejornais, programas humorísticos, programas de auditório… tudo estava sujeito à censura, menos o humor politicamente incorreto que incomoda tanta gente hoje. O negro, o gay, “a gostosa” e o marido traído eram os principais temas.
Nos cinemas, a indústria nacional se dividia em filmes com Os Trapalhões e pornochanchadas, obviamente proibidas para a molecada, que babava de vontade de ver suas “cenas picantes”.
Quando eu era menino, o “bullying” era liberado, causando constrangimento, vergonha, humilhação, dor. Essa palavra ainda não existia, mas o sofrimento, sim. E muitas foram as palavras que ficaram na memória de tantas crianças daqueles tempos. Verdade seja dita: a coisa era generalizada, pois, como diz um velho ditado, “quem foi humilhado vai humilhar também”. Quase ninguém escapava!
Na rua, os meninos e meninas queriam usar artigos de marca – como hoje, só que sem as redes sociais para se fazerem notar. Um agasalho da Adidas, por exemplo, era o máximo de ostentação – da Penalty e da Topper, nem tanto.
Naqueles tempos, a gente estava sempre com os amigos e não dependia da escola para conversar com eles. Éramos todos vizinhos e tudo o que tínhamos de fazer era chamar pelo nome do amigo ou amiga no portão de sua casa. O máximo que podia acontecer era o pai ou a mãe dizer que fulano não estava ou que não ia sair naquele dia. E a gente já entendia o recado.
Quando eu era garoto, as mães ouviam rádio enquanto limpavam a casa e faziam nosso almoço – ou antes de irmos pra escola ou quando chegávamos famintos. Lembrei agora dos bonitos versos de Adélia Prado: “Minha mãe cozinhava exatamente:/ Arroz, feijão-roxinho, molho de batatinhas. /
Mas cantava”, em que o “mas” é elemento essencial para demonstrar a simplicidade e a sofisticação, lado a lado. Nossas mães eram assim mesmo!
O pai normalmente era caladão. Respeitávamos o nosso e os dos amigos. Como eles estavam fora o dia inteiro, não tínhamos intimidade com eles – mas eram, geralmente, bacanas. Às vezes, ficavam nos vendo jogar na rua e vibravam com nossos gols. Mas isso era raro, muito raro.
Ir à cidade era um acontecimento pra gente, pois morávamos na periferia e nosso universo se resumia à própria casa, à escola do bairro, à rua e a algumas casas de tios e avós. A degradação do centro estava começando…
Dependíamos de hospitais públicos e, quando algum filho precisava de médico, o pai da gente levantava cedo (muito cedo!) e ia pegar um lugar na fila, porque o atendimento não se estendia pelo dia inteiro no INPS.
A lista de recordações é grande! Algumas coisas melhoraram muito, outras estão terrivelmente piores. O leitor certamente tem as suas lembranças e deve estar pensando no que viu e viveu.
Não escrevo para comparar o que era com o que veio a ser. É que às vezes tenho uma memória de elefante e fico perplexo diante de tanta mudança!
Amei seu texto, e como você menciona as lembranças vieram e com muitas saudades, pois foi exatamente isso que vivi
Obrigada
Tudo mudou demais. Algumas coisas melhoraram mas sinto saudade de quando éramos felizes e não sabíamos.
Caro Prof Vitor
Texto brilhante e nostálgico que nos leva diretamente à infância e juventude. Outros tempos. Outra vida. Oh Lord.
Saudades do trigo, mas não do joio.
Parabéns!!!!!
Lindo texto, me emocione com tantas recordações maravilhosas, obrigada.
Nossa, que delícia esta volta ao Tempo. Passei por muitos momentos bons e ruins,mas as saudades são muito fortes referente a época da infância e adolescência. O Mundo Atual está mudando muito rapidamente e fica difícil em acompanhar e entender muitas das mudanças. Muitas das cenas aqui descritas me fizeram recordar momentos do passado.
Bela Crônica. 👏👏👏